#60 | Qual é a sua teoria da conspiração favorita?
Viéses cognitivos, falácias e os limites da nossa racionalidade
🧠 pensando bem
reflexões que me ocorreram essa semana
Na última quarta-feira eu dei uma aula introdutória de teoria do conhecimento e filosofia da ciência. Entre tantos assuntos envolvidos, conversei com a turma sobre os limites da ciência, subjetividade e objetividade na busca da verdade, e acabamos chegando a um tema que eu adoro: viéses cognitivos e falácias lógicas.
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Explicando brevemente, os viéses são certas formas de pensar que não fazem sentido na realidade ou na lógica, mas que nós acabamos abraçando de alguma maneira. Já as falácias são modos de construir um raciocínio que está errado, mas parece certo.
Um dos exemplos mais famosos de viéses é o viés da confirmação, que explica porque nós tendemos a ignorar informações ou fatos que contradigam algo em que acreditamos e só aceitamos aquilo que confirma nossa visão. Olhando essa definição pura e seca, parece algo absurdo, mas ele acontece com mais frequência do que pensamos.
O viés da confirmação é visto diariamente por aí: na galera que nega resultado de eleição, que acredita que a vacina da Covid tem algum chip de controle ou que cai em alguma pseudociência da moda.
Isso não se trata de ter fé em alguma coisa, mas de recusar-se a enxergar o que está diante de si, devidamente testado e comprovado. E, quando isso se junta com outros viéses e falácias, o resultado costuma ser um bloqueio total a qualquer diálogo que não comece com um sonoro “amém” a tudo o que vier a seguir.
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Mas por que isso acontece?
Entre outros fatores, uma resposta é: não somos tão racionais quanto achamos que somos. Na verdade, nós tendemos a tomar decisões emocionais e, imediatamente, buscar uma justificativa racional para elas. Em resumo: nós sentimos primeiro e pensamos depois.
Na história da evolução humana, isso foi extremamente útil. Imagine só se a gente tivesse que pensar demais enquanto era perseguido por uma fera selvagem? O ser humano já teria sido extinto há milhares de anos. Mesmo hoje, esse sistema funciona bem em várias situações.
O problema acontece quando a gente se fecha nas certezas que nossas emoções provocam sem passá-las pelo crivo da razão.
A internet está cheia disso. A pessoa vê uma notícia qualquer, é afetada por uma forte emoção decorrente dela e sente que -precisa- compartilhar aquilo com todo mundo. É assim que surgem os virais e é por esse mesmo mecanismo que as fake news se espalham tão rápido. Elas não apelam à razão, mas à emoção, especialmente ao medo. Uma decisão tomada em segundos e pronto: o pânico moral está espalhado.
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Porém, caro leitor, não se engane, achando-se livre desse tipo de coisa. Ninguém está livre dos viéses cognitivos.
Mesmo pessoas que se julgam muito racionais acabam caindo em um ou outro. Por isso, dizem por aí que todo mundo tem uma teoria da conspiração favorita. Nós queremos respostas, recusamos a aleatoriedade do mundo e tendemos a julgar as coisas segundo a nossa ótica moral, sem pensar muito se estamos sendo coerentes com a realidade dos fatos.
Se no dia a dia isso é um problema, com a velocidade das notícias e a montanha-russa emocional que um feed de Instagram pode criar, as chances de errarmos são enormes.
Mas… e se, com isso, acabarmos com a reputação de alguém, com a vida de alguém? E se os nossos memes engraçadinhos custarem a saúde mental da pessoa que, sem querer, os originou?
Será que nós já pensamos na responsabilidade dos nossos compartilhamentos ou nos vemos apenas como mais uma conta sem rosto na multidão da internet?
Como me disse a Ana Carolina, certa vez, o contrário do virtual não é o real, é o presencial. Nós somos as mesmas pessoas em ambos os lugares. As dores que nos abatem não fazem distinção de origem; apenas doem. Mas na internet a gente se sente mais livre para machucar quem não vemos.
“Vi, me emocionei, compartilhei”. Talvez a gente precise desacelerar os dedos, deixar as emoções e as ideias decantarem antes de contribuir com o próximo viral.
🔎 curadoria
conteúdos legais que eu vi, li ou ouvi e recomendo
📖 A mente moralista, de Jonathan Haidt explica como nossas emoções influenciam nossas decisões muito antes de chegarmos a um pensamento racional sobre elas, e os impactos disso nas discussões políticas e religiosas.
🎧 O podcast Além do Meme mostra as pessoas por trás dos memes da internet. Nesse episódio, Chico Felitti conversou com o Nilson Papinho, o “vovô do slime”, que depois de ganhar milhões de seguidores em 24 horas, se viu envolvido numa acusação de crime contra crianças, mostrando que viralizar nem sempre é uma boa pedida.
💻 A jornalista Chris Flores fala sobre a história da grávida de Taubaté e os impactos que essa história teve (e ainda tem) sobre a Maria Verônica.
📱 você viu?
resumo das redes
No YouTube, falei sobre 3 lições estoicas para lidar com a vaidade.